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Agricultura celebra o Dia Nacional da Conservação do Solo
Comemorado em 15 de abril, data é importante marco para reflexão de toda cadeia produtiva sobre a importância da correta utilização da terra
Em 15 de abril, é celebrado o Dia Nacional da Conservação do Solo. A data foi instituída em 1989, como uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em homenagem ao americano Hugh Hammond Bennett, considerado o pai da conservação dos solos nos Estados Unidos, além de uma referência para muitos outros países. A importância de preservar o solo não remete somente à agricultura e à produção rural, mas, principalmente, à conservação do meio ambiente, dos ecossistemas e da garantia de vida na Terra.
A degradação e o manejo inadequado dos solos provocam desequilíbrio em fluxos hídricos, na emissão de gases de efeito estufa e na atenuação dos efeitos de poluentes, influenciando diretamente a regulação da qualidade da água e do ar. Portanto, se faz cada vez mais necessário pensar e executar práticas conservacionistas.
“O tema tem que ser visto como um conjunto de ações que proporcionam o restabelecimento das condições de equilíbrio e sustentabilidade”, destaca Wayron Castro, Zootecnista e assistente técnico de sementes na Sementes Oeste Paulista (Soesp).
Para ajudar a classe produtora neste enorme desafio, o especialista destacou 10 ações:
1 – Preparo do solo adequado: antes de iniciar qualquer atividade agrícola, o primeiro e mais importante passo é ter o conhecimento agronômico da textura e a taxa de infiltração de água no solo. Ter essa informação é fundamental, afinal, a forma com que se prepara um solo arenoso é totalmente diferente do preparo de um solo argiloso, por exemplo. É preciso realizar um eficiente manejo sem deixar o solo desagregado.
2 – Plantio em curva de nível: em áreas de declividade acentuada, o plantio precisa ser feito de acordo com a curva de nível com atenção a parte topográfica. Caso o plantio seja realizado no sentido da declividade, quando houver chuva, a água terá maior velocidade e acabará gerando erosão. Já ao plantar no sentido oposto da declividade, as próprias plantas acabam reduzindo a velocidade da água.
3 – Terraceamento: quando bem planejada, a técnica de terracear reduz as perdas de solo pelo escoamento descontrolado da água da chuva (erosão). Além disso, ajuda a melhorar a taxa de infiltração da água no solo.
4 – Rotação de culturas: a prática de monocultura tem alguns problemas. Do ponto de vista de negócios (financeiro), a propriedade pode ficar refém das oscilações do mercado com pouco poder de negociação. Do aspecto do solo, também não é bom ter apenas um cultivo, afinal cada planta tem sua estrutura de raiz e características únicas de absorção de nutrientes. Portanto, a rotação é extremamente importante. Pensando em culturas graníferas (milho, soja, algodão, sorgo, entre outras) é preciso rotacionar para ter um melhor ambiente no solo. Um alerta importante, é que muita gente confunde sucessão de cultura com rotação de cultura, ou seja, em pelo menos umas das safras é fundamental quebrar o ciclo sucessório, com outros grupos de plantas.
5 – Implantação de sistemas integrados: a integração de sistemas como por exemplo, de lavoura-pecuária-floresta é uma boa alternativa. A estratégia de produção melhora a eficiência da propriedade e integra diferentes sistemas dentro de uma mesma área. A prática pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. Esta forma de sistema integrado busca otimizar o uso da terra, elevando os patamares de produtividade, diversificando a produção e gerando produtos de qualidade. Com isso reduz ainda a pressão sobre a abertura de novas áreas e ao mesmo tempo corrobora com a conservação do solo e a produção sustentável.
6 – Conservação da vegetação nativa: os “pulmões” de uma fazenda são as áreas de reserva. Desta forma, o produtor precisa manter as vegetações nativas bem como preservá-las com as suas diversidades de plantas. Conforme definição da Lei n. 12.651/2012, a Área de Preservação Permanente (APP) precisa ser protegida, coberta ou por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
7 – Plantio direto: o Sistema de Plantio Direto (SPD) é um manejo diferenciado do solo, que revolucionou a agricultura brasileira e busca diminuir o impacto da agricultura sobre ele. Neste modelo, o plantio ocorre com o revolvimento mínimo do solo, ou seja, sem aração ou gradagem como acontece no plantio convencional. Com a utilização de semeadora específica, as sementes são depositadas em um sulco ou cova com profundidade e largura adequada e em que haja manutenção da cobertura do solo (palhada/cobertura). Este importante resíduo da última cultura espalhada, protege o solo contra erosão eólica e hídrica e ainda diminui a incidência do sol, mantendo o ambiente mais próximo do ideal para as plantas.
8 – Calagem e adubação: se o solo está em equilíbrio, com pH adequado, com níveis de cálcio e magnésio bem como de micro e macro nutrientes nos padrões ideias, consequentemente a planta terá um desempenho melhor. Para isso é fundamental garantir que o solo esteja bem nutrido, desta forma, as culturas serão mais vigorosas e a possibilidade de erosão é bem menor com o solo totalmente protegido e equilibrado.
9 – Aumento da cobertura vegetal: a cobertura vegetal é fundamental para a conservação do solo e da água. Outro benefício gerado pelo seu uso é o aumento gradativo da matéria orgânica do solo, trazendo maior estabilização dos agregados do solo e das atividades biológicas, colaborando fortemente com as frações físicas, químicas e biológicas. Desta forma, podemos dizer que essa cobertura vegetal é algo que está totalmente ligado à fertilidade, por isso é importante o produtor manter o solo protegido com outras variedades de plantas. Há muitas fazendas que têm vocação para o cultivo de grãos, que fazem o consórcio com variedades de capim e não necessariamente criam gado. O intuito deles ao colocar espécies de forrageiras como Brachiaria e Panicum no sistema é de proteger o solo com essa cobertura vegetal. Além disso, diminui a incidência de plantas daninhas.
10 – Recuperação de áreas degradadas: terras improdutivas vão na contramão da sustentabilidade da produção, desta forma é preciso ter um olhar especial para a recuperação dessas regiões. Independentemente do nível de degradação do solo, a primeira dica é fazer uma boa calagem. Posteriormente a orientação é fazer o plantio de cultivares adaptadas para cada região. Para isso é fundamental o acompanhamento técnico com um agrônomo de confiança, pois o profissional estará capacitado para fazer a melhor indicação de acordo com cada tipo de solo, clima e região.
O papel das agroindústrias
Conservação do solo não é apenas um dever dos produtores rurais, nessa longa cadeia da produção de alimentos, as agroindústrias também podem e devem contribuir com essa missão. Segundo o especialista da Soesp, essa precisa ser uma preocupação de todos, afinal os dois maiores bens que temos pensando em agricultura são: solo e água. “Se não cuidarmos de ambos não tem plantio, por isso não podemos negligenciar o solo. Nós como indústria, em nossos treinamentos ou em eventos sempre reforçamos esse tema com os produtores e clientes, afinal, cuidar do solo é a nossa maior missão”, finaliza Castro.
Sobre a Sementes Oeste Paulista
A Sementes Oeste Paulista está sediada em Presidente Prudente (SP) e há 38 anos atua no mercado oferecendo sementes de pastagem. Sua matriz conta com infraestrutura voltada à produção, beneficiamento, comercialização e desenvolvimento de novas tecnologias, tanto para pecuária como para agricultura de baixo carbono. A empresa desenvolveu a tecnologia Soesp Advanced, que revolucionou o mercado de sementes forrageiras nos países de clima tropical, ao trazer diversos benefícios no plantio e estabelecimento dos pastos, e se adequar perfeitamente ao sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Acesse www.sementesoesp.com.br.
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Pesquisadores desenvolvem solução que promete otimizar viabilidade econômica da cadeia produtiva de lúpulo no Brasil
Extração com CO₂ supercrítico aumenta rendimento e potencial de uso do lúpulo brasileiro
Essencial para a produção de cerveja, o lúpulo (Humulus lupulus) é responsável por conferir aroma e amargor característicos à bebida, graças à presença de lupulina, um pó rico em α-ácidos e óleos essenciais. Com a expansão da indústria de cerveja artesanal, o cultivo de lúpulo no Brasil vem ganhando destaque, impulsionado pela criação de viveiros certificados e pelo crescimento da demanda interna e internacional, que alcançou valores de até US$ 60 por quilo em 2025.
Apesar do avanço, desafios logísticos e produtivos ainda limitam a competitividade do cultivo nacional. Buscando alternativas tecnológicas para aumentar a eficiência da cadeia, pesquisadores avaliaram o uso da extração com fluido supercrítico de CO₂ (SFE-CO₂) em lúpulos peletizados fornecidos pela empresa Atlântica Hops (Juquiá-SP). O objetivo foi comparar o método com a extração convencional e explorar o potencial de aproveitamento dos subprodutos dentro do conceito de biorrefinaria.
Com o apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a pesquisa alcançou resultados que apontam ganhos expressivos. Enquanto a extração tradicional apresentou rendimento de 15% e teor de 9% de α-ácidos, o processo com CO₂ supercrítico atingiu 72% de α-ácidos, além de gerar extratos mais concentrados e de fácil armazenamento. Na aplicação cervejeira, o método rendeu um aumento de 20% na produção, evidenciando sua viabilidade comercial e sustentabilidade operacional.
O estudo também analisou o chamado “lúpulo gasto”, material residual após a extração, que demonstrou elevada atividade antioxidante e presença significativa de carotenoides, flavonoides e compostos fenólicos, características que ampliam seu potencial como matéria-prima para bioprodutos de valor agregado, como ingredientes cosméticos e nutracêuticos.
De acordo com os pesquisadores, a tecnologia de extração supercrítica com CO₂ representa uma oportunidade promissora para a cadeia do lúpulo no Brasil, contribuindo para otimizar a viabilidade econômica do cultivo e fomentar a criação de novos mercados baseados na bioeconomia.
Os resultados da pesquisa ganharam destaque na esfera acadêmica internacional através da publicação na revista científica Springer Nature: https://link.springer.com/article/10.1007/s13399-025-06903-z.
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Produção de etanol de milho cresce, mas disputa por biomassa ameaça ritmo das usinas
Mercado aquece e expõe gargalos energéticos que podem definir a competitividade de novos projetos da próxima safra
Com a produção brasileira de etanol de milho projetada para alcançar 10 bilhões de litros até o final de 2025, segundo dados da Unem, o setor entra em uma fase de expansão que vem reconfigurando o mapa industrial do país. O avanço, porém, expõe um desafio que até pouco tempo era secundário e agora se torna decisivo para a competitividade das plantas: garantir energia térmica confiável, barata e sustentável para assegurar a operação crescente das usinas.
A demanda por biomassa já dá sinais de pressão em polos importantes do Centro-Oeste, onde projetos de etanol, fertilizantes, processamento de grãos e indústrias madeireiras passaram a disputar o mesmo insumo. Em algumas regiões, agentes do setor já falam abertamente sobre o risco de “estreitamento de oferta”, fenômeno equivalente a um possível apagão de biomassa em períodos de alta demanda.
Um ponto sensível nesse contexto é a energia térmica, já que o vapor é o responsável por sustentar etapas críticas do processo industrial e responde por grande parte do custo operacional. Sem previsibilidade de preço e de suprimento, qualquer oscilação impacta diretamente margens e produtividade.
A alternativa que começa a ganhar tração no setor é a adoção de soluções térmicas flexíveis, capazes de operar com múltiplas biomassas ao longo do ano, reduzindo o risco de escassez e garantindo a continuidade da operação. Em alguns projetos industriais, já existem caldeiras aptas a trabalhar com até 14 tipos diferentes de biomassa, incluindo cavaco de madeira, bagaço de culturas regionais e resíduos agrícolas.
Nesse cenário, empresas especializadas na gestão de energia térmica passam a ocupar um espaço relevante. A ComBio, por exemplo, opera unidades dedicadas dentro de diferentes plantas industriais, assumindo integralmente a responsabilidade por suprimento, operação e desempenho das caldeiras. O modelo surgiu como alternativa para mitigar a volatilidade no mercado de biomassa e dar previsibilidade a setores que dependem de grandes volumes de vapor. Na prática, a empresa funciona como uma gestora térmica de longo prazo, capaz de adaptar a matriz de combustível conforme a disponibilidade regional e reduzir o impacto das oscilações do mercado.
Segundo Ricardo Blandy, diretor comercial da ComBio, essa flexibilidade deixa de ser um diferencial e passa a ser condição básica de segurança energética: “Para o produtor de etanol de milho, a atenção ao suprimento de biomassa é vital, pois a usina simplesmente não funciona sem ela. Em várias regiões do país, já há um risco concreto de escassez desse insumo. Por isso, adotar caldeiras que operem com diferentes tipos de biomassa deixou de ser opção e se tornou uma exigência para garantir segurança e continuidade operacional”.
O consumo elevado do setor também exige novas formas de organizar a cadeia. Uma única usina pode demandar 300 mil a 400 mil toneladas de biomassa por ano, volume que pressionará ainda mais o mercado conforme novos projetos entrem em operação. Para garantir estabilidade, especialistas defendem o uso de contratos de longo prazo, rastreabilidade da origem da biomassa e desenvolvimento de novas cadeias regionais.
A discussão energética também se conecta à pauta climática. Em 2024, soluções térmicas baseadas em biomassa evitaram a emissão de centenas de milhares de toneladas de CO₂ no país, reforçando a narrativa de sustentabilidade que acompanha a expansão do etanol de milho.
Para Blandy, o setor vive um momento de tomada de decisão estratégica. “Vale a pena pensar em flexibilidade e em desenvolver novas biomassas. A região que hoje não tem oferta pode ter daqui a cinco ou dez anos. E o projeto térmico precisa estar preparado para isso”, afirma.
Com novos projetos prestes a sair do papel e a competição global por biocombustíveis de baixo carbono aumentando, a forma como o setor lidará com sua matriz térmica pode definir não apenas o ritmo de expansão, mas quem conseguirá manter competitividade em um mercado cada vez mais exigente.
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Modelo de pele humana amplia alternativas aos testes de cosméticos em animais
Parceria com empresa de dermocosméticos permitiu que laboratório da UFPR produzisse modelo de tecidos por bioimpressora 3D, equipamento que constrói estruturas biológicas tridimensionais. O projeto reforça caminho para adaptação da indústria à nova legislação e para mais precisão científica na avaliação de cosméticos
Em julho de 2025, foi sancionada a Lei 15.183, que proíbe a realização de testes de cosméticos, perfumes e produtos de higiene pessoal em animais. A regulamentação reflete uma mudança de consciência na sociedade, cada vez mais atenta à necessidade de eliminar práticas consideradas cruéis.
Diante da proibição da conduta e contando com o avanço tecnológico e científico que hoje já apresenta alternativas a essa prática, empresas de cosméticos passaram a desenvolver ou financiar a criação da chamada pele humana equivalente, um modelo de pele artificial construído em laboratório que imita características da pele humana real e pode desempenhar, entre outras aplicações, papel fundamental em testes de segurança e eficácia de cosméticos.
Atendendo a essa demanda, uma parceria tripartite envolvendo a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar) e a empresa brasileira de dermocosméticos Creamy Skincare está desenvolvendo seu próprio modelo de pele humana equivalente como método alternativo ao ensaio de permeação cutânea para a avaliação de produtos cosméticos.
O projeto é conduzido em Curitiba no Laboratório de Bioensaios de Segurança e Eficácia de Produtos Cosméticos (Labsec), do Departamento de Farmácia, sob a coordenação da professora Daniela Maluf. A iniciativa conta ainda com o apoio do Hospital Nossa Senhora das Graças, responsável por fornecer pele humana descartada em cirurgias. Esse material permite o cultivo e a multiplicação de células que, posteriormente, são aplicadas em uma matriz gel com auxílio de uma bioimpressora 3D.
Maluf explica que a impressão tridimensional exige o desenvolvimento de uma biotinta, mistura de células vivas e biomateriais compatíveis, como hidrogéis, para dar suporte à vida celular.
“Cultivamos as células obtidas da pele descartada em cirurgias plásticas para que se multipliquem ao ponto de podermos congelá-las. Quando necessário, descongelamos essas células e utilizamos a bioimpressora 3D para reconstruí-las em camadas tal como as da pele humana”.
A pesquisadora destaca que essa biotinta tem uma composição única. Cada grupo de pesquisa que trabalha na área produz a sua formulação. “A biotinta reúne componentes como colágeno, ácido hialurônico, fatores de crescimento e outros elementos que dão suporte para que as células se proliferem nessa matriz gel”.
Hoje, diversas empresas do setor cosmético já pesquisam e produzem seus próprios modelos de pele humana equivalente, alguns deles disponíveis comercialmente.
Esses modelos, porém, apresentam limitações, como dificuldades de viabilidade celular, que é a capacidade das células permanecerem vivas e funcionais, afetada por condições de transporte e importação. Para atender às necessidades específicas de seus produtos, a Creamy decidiu investir no desenvolvimento de um modelo próprio por meio da parceria com a UFPR.
No projeto, o parâmetro selecionado é o de permeação, isto é, a capacidade de um produto atravessar as camadas da pele. “Optamos por esse parâmetro porque, para outros tipos de ensaio, já existem estudos validados e reconhecidos pela Rede Nacional de Métodos Alternativos ao Uso de Animais [Renama]. Para permeação, ainda não há um modelo oficial”, explica Daniela.
Percurso técnico envolve coleta de pele humana que seria descartada
Após a aprovação da pesquisa pelos comitês de ética e o cumprimento das etapas burocráticas, o primeiro passo para o desenvolvimento do material é a coleta de pele humana. O projeto tem a parceria do urologista Rodrigo Krebs, do Hospital Nossa Senhora das Graças, de Curitiba, que fornece amostras normalmente descartadas em cirurgias de postectomia, sempre mediante autorização dos pacientes.
Para manter a viabilidade do tecido, a equipe do Labsec envia meios de cultura e transporte adequados ao hospital. Com o material em mãos, os pesquisadores iniciam a etapa de dissociação celular. “Primeiro, realizamos uma fragmentação mecânica com bisturi; em seguida, aplicamos tratamentos enzimáticos e centrifugações para separar queratinócitos, fibroblastos e outras células. Depois disso, elas são transferidas para meios de cultivo específicos, onde podem se proliferar”, relata Daniela.
Quando atingem a quantidade necessária, as células se tornam aptas para aplicação na matriz gel e para a reconstrução em camadas pela bioimpressora 3D. Esse processo, no entanto, só foi possível após extensa pesquisa preliminar.
Segundo a professora, mais de 100 formulações de biotinta foram testadas até que se chegasse à viscosidade, resistência e performance compatíveis com a pele humana. “Foram muitos experimentos até encontrarmos o ponto ideal. Agora, nosso maior desafio é manter a viabilidade das células dentro na biotinta”, afirma.
Krebs, que também é professor de Urologia na UFPR, destaca que o uso de um tecido humano normalmente descartado em cirurgias amplia horizontes para a pesquisa. “Isso abre novas possibilidades para reduzir a experimentação animal em produtos destinados a humanos. Não há avanço sem parcerias. A multidisciplinaridade é, sem dúvida, a chave para o progresso”, diz.
Atual etapa visa verificar a viabilidade do modelo
A Creamy, financiadora do projeto, espera desenvolver um modelo de pele artificial altamente confiável, que permita testar ativos e formulações de forma ética e com precisão científica. “Além de substituir testes em animais, esse avanço deve acelerar o desenvolvimento de produtos, ampliar a capacidade de inovação e trazer ainda mais segurança para o consumidor. É também uma oportunidade de fortalecer a pesquisa nacional e abrir caminho para cosméticos mais sustentáveis e tecnologicamente avançados”, diz Luiz Romancini, médico dermatologista e cofundador da Creamy.
A etapa atual consiste na validação da robustez desse modelo. “Obtivemos bons resultados no desenvolvimento e na microscopia, comprovando a viabilidade das células no protótipo. Agora estamos avaliando a viabilidade celular por períodos mais longos e, na sequência, aplicaremos cosméticos para comparar o desempenho do modelo com o da pele humana”, diz a pesquisadora.
A previsão é que o modelo esteja pronto para uso em maio de 2026. Após sua conclusão, caberá à empresa decidir se o disponibilizará à Renama e ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) para viabilizar sua comercialização.
Oportunidade de integração entre universidade e indústria
No modelo tripartite adotado, cabe à marca de dermocosméticos financiar a pesquisa, enquanto a professora e suas alunas conduzem a parte científica, e a Funpar fica responsável pela gestão dos recursos.
Desde 2023, quando a parceria começou, a Creamy tem adquirido insumos, equipamentos, oferecido bolsas de pesquisa e assegurado todos os recursos financeiros necessários. A exclusividade sobre o produto permanece com a empresa.
Para o cofundador da empresa, Luiz Romancini, a UFPR é uma das instituições mais avançadas do país em pesquisa de biotecnologia e modelos de pele. “Existe um histórico sólido de estudos nessa área, com uma equipe altamente qualificada e infraestrutura de ponta. Para nós, faz sentido unir forças com uma universidade que alia rigor científico, experiência e capacidade real de transformar pesquisa em inovação aplicada ao setor cosmético”, avalia.
Pele humana equivalente traz novos horizontes para a biotecnologia
Luiz Romancini entende que investir em pesquisa acadêmica é fundamental para elevar o nível da indústria cosmética brasileira. “É nesse ambiente que surgem novas tecnologias, metodologias mais éticas e soluções que permitem criar produtos mais seguros e eficazes. Quando aproximamos a ciência da realidade do mercado, conseguimos acelerar avanços, fortalecer a inovação nacional e criar alternativas que acompanham o que há de mais moderno no mundo”.
Além de possibilitar testes de cosméticos sem o uso de animais, modelos de pele humana equivalente podem ser aplicados na cicatrização de feridas complexas em pacientes queimados, em testes clínicos e em outras análises relacionadas à fisiologia da pele.
Pesquisas correlatas investigam ainda o uso da bioimpressão 3D para a produção de outros órgãos, abrindo possibilidades futuras até mesmo para transplantes. Para que esses avanços se concretizem, o investimento contínuo e a valorização das pesquisas de ponta desenvolvidas nas universidades são fundamentais.
